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Segurança psicológica em tempos de pandemia
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Segurança psicológica não existe em um vácuo. Afinal cada de um de nós vive em uma complexa trama de papéis e relações com outras pessoas e o mundo ao redor e não podemos simplesmente deixar nossos problemas de lado ou esperar que que uma área afeta a outra. Fazemos o nosso melhor, mas é impossível. E o que fazer vivendo em nossos tempos de pandemia? A pergunta, que acredito, gostaríamos que fosse apenas retórica ou exploração de uma hipótese, revirou nossa realidade de penas para o ar – ao menos a realidade de nós, privilegiados o bastante, para poder trabalhar a distância, de forma remota. Distopia é cada vez mais, rotina. Como ficar bem. Eu não estou bem. E vocês, como estão?
A importância da segurança psicológica
Section titled %5Bobject%20Undefined%5DUm dos livros que tiveram maior impacto em mim e em meu trabalho – aquele para o qual eu posso traçar vários momentos decisivos foi a leitura de Accelerate: The Science of Lean Software and DevOps: Building and Scaling High Performing Technology Organizations da Dr. Nicole Forsgren, PhD et al.. A imagem acima é retirada do último reporte The State of DevOps de 2019.
Todas estratégias possuem um ponto em comum; iniciam com a segurança psicológica. Com o software devorando tudo, todas as empresas que gerenciam e criam algum tipo de software ou aplicativo, entrega software e software que é consistente, não fica muito tempo indisponível ou que qualquer apagão é rapidamente corrigido não simplesmente, acontece. Precisam ser criadas as condições necessárias para isso. E é um esforço contínuo.
Elementos da segurança psicológica
Section titled %5Bobject%20Undefined%5DA decisão acadêmica de segurança psicológica que usamos se baseia na pesquisa de William A. Khan (1990): “Segurança psicológica é ser capaz de mostrar e se colocar sem medo de consequências negativas de auto-imagem, status ou carreira”. Membros do time se sentem aceitos e respeitados.
Há toda uma metodologia para mensurar segurança psicológica. Há muito mais a se aprofundar mas existem dez questões aos quais se pede uma avaliação de 1 a 5. Sendo 1 em desacordo com a afirmação e 5 em acordo com afirmação. São elas:
- Neste time, eu entendo o que é esperado de mim.
- Nós valorizamos mais os resultados do que constantes atualizações, e ninguém precisa “parecer ocupado”
- Se eu errar nesse time, isso nunca será usado contra mim.
- Quando algo dá errado, nós trabalhamos como um time para encontrar a causa sistemática.
- Todos os membros deste time se sentem aptos a trazerem problemas e situações difíceis.
- Membros deste time nunca rejeitam outros por serem diferentes e ninguém é deixado de lado.
- É seguro tomar riscos neste time.
- É fácil para mim pedir aos membros deste time por ajuda.
- Ninguém neste time deliberadamente agiria de uma forma para desmerecer meus esforços.
- Trabalhando com membros deste time, minhas habilidades únicas são valorizadas e utilizadas.
Trabalho em tempos de pandemia
Section titled %5Bobject%20Undefined%5DTrabalho remoto traz consigo vários desafios. Como construir um time? Um grupo de pessoas trabalhando em um projeto não faz deles um time, por mais qualificadas que sejam. E várias outras questões nenhum pouco triviais. E de repente, o mundo todo (que pode trabalhar de casa, geralmente através do computador, o que talvez faça um mundo pequeno, certamente menor do que o mundo que não faz parte dessas classes de trabalhadores) se viu trabalhando remotamente. Acontece que isso apresentou desafios ao quadrado.
Trabalho remoto em tempos de pandemia !== Trabalho Remoto
Muitos de nós tiveram que aprender e descobrir novas formas de trabalhar (para aqueles que não trabalhavam remotamente ou mesmo, aqueles como eu, que devido a uma experiência no início da carreira, era totalmente averso), tivemos que nos adaptar. De um dia para o outro, o mundo virou de ponta cabeça para nós.
E no momento em que escrevo, 02 de maio de 2021, várias nacionais já começam a viver o “pós-pandemia” e nós atingimos o recorde de pessoas mortas, mais de 400.000 mil mortos, registrados. Antes da pandemia nós já utilizávamos em nossos daily standup meetings uma classificação “verde/amarelo/vermelho” de saúde, para entender como cada um estava.
“Tudo bem?”
Section titled %5Bobject%20Undefined%5DNão. Claro que não. Quem poderia? Mas mesmo assim, nos perguntamos. E a verdade, é que precisamos sempre nos perguntar isso, ainda que a resposta não seja a que gostaríamos de ouvir.
Com o remoto, passamos a ter um canal em nosso Slack chamando remotedailymeeting para que cada um possa a seu tempo, fazer o mesmo ritual que fazíamos todos juntos, mas desta vez de forma assíncrona e passamos a adotar uma forma de mensurar de uma forma melhor com o o time está. Para isso adaptei o Health Check como apresentado nesta postagem de Muriel Dias falando de seu uso na Quinto Andar. Fiz uma troca de palavreado de “Senso de dono/a” para responsabilidade, pois acredito que essa ideia de “dono”, que pode ser uma tentativa de traduzir ownership, porém há muitas ramificações sociais, econômicas e até de relacionamento legal da empresa com os funcionários que me causa dissonância cognitiva e resolvi alterar. E coloquei Segurança Psicológica no topo ao invés de no fim e outros ajustes para o time de desenvolvimento com a mesma escala (👍 / 😐 / 👎) e tem funcionado bem.
Tentamos fazer o mínimo de reuniões possíveis, nunca ninguém é obrigado a ligar suas câmeras. Tive esta conversa com todas as pessoas – as pessoas precisam ter agência e decidir o que consideram mais confortável. Reuniões externas não há outro jeito, mas por sorte, em desenvolvimento, temos formas imersivas, como por exemplo, o mob programming. Para mim foi uma das grandes descobertas do trabalho remoto. Uma expansão do pair programming, só adicionando mais pessoas na equação e é impressionante como a inteligência coletiva das pessoas operando em desenvolver juntos é uma atividade bem instigante. Tivemos grandes sessões esse ano.
Outras formas de construir uma linguagem e contexto ao time que encontramos foi o que chamamos de “Imersões”: sessões dedicadas a um determinado assunto, variando o nível de profundidade, mas sempre partindo de nossos casos de uso e buscando explorar os fundamentos. Outra foi o uso do MetroRetro para retrospectivas – excelente ferramenta, não apenas para retrospectivas mas também pára planejamento de sprints e o Miro que substituiu o meu uso do flipchart.
Tivemos semanas de quatro dias. E mesmo nosso time não existe no vácuo. Nós somos membros de outros times. Em cada um deles temos níveis de segurança psicológica diferentes. Há algumas pessoas / grupos que possuem tons de comunicação e necessidades de interação que outros não exigem. Muito de nossa comunicação é não-verbal e com o trabalho remoto, muito disso se perde, até por que muitas vezes o trabalho será assíncrono. Podemos adotar horários mais maleáveis e para quem possui filhos, é impossível simplesmente “ir trabalhar”; Todos nós (novamente, desta bolha), passamos a “viver no trabalho”.
No final o que precisamos é ser generosos – generosos com todos. Se aquilo que passamos a maior parte de nossa vida desperta é o nosso trabalho, pelo menos vamos tentar fazer de uma forma que melhor se adapte ao que estamos vivendo. Para mim, os primeiros meses foram tenebrosos. O peso cognitivo de ter que contextualizar e ajudar cada um de meu time, enquanto manter algumas datas de entrega, fizeram com que eu rapidamente perdesse o controle. E ficasse cansado, desmotivado. Deprimido. E sabia que aquilo poderia estar e estava se desdobrando com cada outra pessoa no time. Então falamos a respeito.
E continuaremos a falar. Não há “fim do projeto” em se tratando de segurança psicológica. E em tempos de pandemia, simplesmente não temos como levar em conta nada. Minha avó morreu em meio a um ataque aos nossos servidores e eu era o único apto a fazer os procedimentos. Por conta do protocolo do COVID-19, ela no interior, nem mesmo teria um velório. O luto é muito diferente para mim. Estou em outra cidade. Não a via a meses. Não há uma sensação clara de perda, embora algumas vezes me surpreende, tomando toda a atenção do meu foco.
E então eu percebo porque tudo começa com segurança psicológica. Por que desenvolver: todas as atividades que envolvem a concepção, desenvolvimento e manutenção de software exigem abstrações e ter em mente diversas questões para entender o fluxo de entrada e saída de dados e se não conseguimos ter espaço mental para isso – vamos errar mais, vamos levar mais tempo. E adivinhe? Estamos errando mais. estamos levando tempo. Estamos em meio a uma pandemia.
Está tudo bem, não estar bem. Ás vezes só de nos afirmamos e reafirmarmos isso, dá um fôlego para continuar trabalhando, nos deixando um pouco mais seguros.