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O Princípio Anna Kariênina

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A frase de abertura de "Anna Kariênina" de Tolstói é um dos inícios mais conhecidos da literatura mundial. Além da influência de sua obra se cunhou um princípio com base no mesmo, que acredito pode ser aplicado ao desenvolvimento web e cloud facilmente

Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.

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Tolstói, Anna Kariênina

Traduzindo com minhas palavras direto da wikipedia em inglês, o princípio de Anna Kariênina estabelece que uma deficiência em qualquer um em determinado número de fatoires leva uma iniciativa ao fracasso. Consequentemente, uma inicitiva bem sucedida (sujeita ao princípio), é aquela em que toda deficiência possível foi evitada. Em termos mais simples: famílias felizes compartilham um conjunto comum de atributos que levam a felicidade, enquanto qualquer variedade de atributos pode causar uma família infeliz. Este conceito foi generalizado para se aplicar a vários campos de estudo.

O princípio teria se popularizado por Jared Diamond em seu livro de 1997 “Armas, Germes e Aço - Os Destinos das Sociedades Humanas” (120 anos após a publicação de “Anna Kariênina”). No livro, Diamond emprega o princípio para ilustrar o motivo de tão poucos animais selvagens tenham sido domesticados ao longo da história, já que a deficiência, em qualquer um de um grande número de fatores, pode levar uma sessão a ser indomesticável.

Até mesmo a Segunda Lei da Termodinâmica, que estabelece que qualquer estado organizado em um sistema isolado espontaneamente evolve para um estado de entropia máaxima, para o qual existem mais opções O número de estados organizados em um sistema (a família feliz) é sempre muito menor e menos diversos do que o número de estados desorganizados e de alta entropia (famílias infelizes).

E veja as sessões dos seus usuários. Passava cada nova página testando contra os scores do Lighthouse. O ambiente de performance ainda tão rápido e em constante mudança que as métricas se alterarm profundamente.

Mudança de classificação entre versões do Lighthouse
Mudança de classificação entre versões do Lighthouse

Da versão do ano anterior (a v5) para a em vigort (v6) foram introduzidas três novas variáveis que não existiam previamente e foram abandonas duas. Uma destas variáveis, TBT (Total Blocking Time), que mede o tempo total que o navegador está gastando para renderizar sua página, bloqueando os recursos, já foi introduzida com o peso de 25% ao lado de outra novidade, LCP (Largest Contentful Paint) que mede a velocidade que a maior área visível de sua aplicação leva para carregar também com 25%! As duas medidas anteriores com maior destaque eram Speed Index com 27% e Time To Interactive com 33%, ambas reduzidas para 15%. Não se trata de uma reclamação da métrica. Entendo o embasamento e acredito ser um ótimo ganho para os usuários da web e temos que sempre entregar a melhor experiência, mas veja: essas métricas também não são pontos fixos no tempo. E não apenas por que as próprias métricas e pesos oscilam.

Cada máquina com sua capacidade de memória no momento, sua capaxidade de bateria, a velocidade de conexão no momento, as extensões e um conjunto imenso de fatores fazem com que cada sessão seja única e acredite. As sessões felizes serão muito parecidas: a usuária acessa a página carrega sem FOUC e apresenta exatamente o deveria exibir. Mas as sessões infelizes… Bem, estas vão exigir tentativas de reprodução, pesar as múltiplas variáveis e tentar buscar em meio à cacofonia de peças móveis em que lugar você deve mexer.

Projetos felizes, projetos infelizes

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Corey Quinn do Last Week in AWS conta uma anedota interessante que pode ser que resoe com muitas pessoas: Você está na audiência de uma conferência, ouvindo uma talk sobre os processos maravilhosos e a tecnologia do palestrante e você comenta com a pessoa do lado “Uau, eu queria trabalhar nessa empresa” e a pessoa te responde “É, eu também”. E depois, pela credencial você descobre que aquela pessoa é da mesma empresa do palestrante.

Para além dos vários desdobramentos que poderiamos abordar a partir daí, o que seria um “projeto feliz”? Tal coisa existe? Mesmo em um time pequeno pode sofrer com tantas questões, como um conflito na branch principal, atrasos inesperados e um milhão de outras variáveis e gastamos tempo em nossas cerimonias e falando de como seriamos mais felizes fazendo tudo de outra forma.

O que me faz pensar muito no estado atual da tecnologia e de como nos medimos. Claro que a definição de um “projeto feliz” estaria aberta a muitas e muitas interpretações. Inclusive um adágio bem comum e que eu mesmo já assinava embaixo é de que “um bom projeto é um projeto entregue”. Esse “entregue” pode esconder um débito técnico enorme com juros altíssimos ou o famoso “crunch”, vide as empresas que desenvolvem games e colocam seus programadores para virar horas e horas para entregar nas datas. Um dos motivos pelos quais eu aprecio ainda mais a decisão da Nintendo ter adiado o lançamento de Animal Crossing: New Horizonts para evitar essa cultura tóxica.

Um amigo e colega de trabalho uma vez me disse nos últimos dias de um longo e cansativo projeto de que a definição de sucesso de um projeto para ele, era quando chegava ao fim e as pessoas estavam sorrindo. E acredite em mim com débito técnico (aliás, débito técnico é entropia, em sua encarnação mais absoluta), com trade-offs de última hora, mas com todas as pessoas trabalhando de forma leve, se respeitando e ainda com um espírito bom.

Well-Architected Framework

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Um projeto de tecnologia tem tantas entradas, tantos pontos de falha: expectativas, comunicação, estimativa de tempo, integrações e isso sem entrar em segurança, operações e experiência do usuário! Há milhões e milhões maneiras de falhar! (talvez, bilhões?)

Que pensar no princípio de Kariênina sempre me coloca na posição de que com tantas variáveis, que não há forma de não falharmos — ainda mais em meu contexto com um grupo pequeno — cobrir cada uma e satisfatoriamente, dos atributos de empresas classificadas como “elite” na entrega de software, as que eu classificaria certamente como as “famílias felizes” da tecnologia.

Mas a experiência também me ensinou que muitas vezes fortalecer o espírito de equipe e trabalhar em conjunto mesmo em condições adversas é possível, sim um projeto feliz. E exatamente por levar em conta essa multitude de coisas que podem dar errado, é que conseguimos fazer escolhas bem informadas e entender no que direcionar nossos recursos. Um dos motivos pelos quais eu tento implementar a partir de agora o AWS Well-Architected Framework em todos os projetos que conduzirei.

Se divide em seis pilares: Excelência operacional, Segurança, Confiabilidade, Eficiência de performance, Otimização de custos e Sustentabilidade. Além de outras perspectivas ou no original, lens focado em domínios específicos como a Perspectiva de aplicações sem servidor - a Serverless Lens. Para quem tem Kindle, todos esses white papers podem ser baixados sem custo nenhum. Recomendo muito a leitura, traz o aprendizado de lidarem com inúmeras cargas de trabalho de vários clientes e traz muitos pontos para se preparar.

E não, não acho que dá para satisfazer cada item. Ao menos não para todos os stakeholders envolvidos. Se o princípio de Anna Kariênina nos dá a perspectiva de que para ser bem sucedido depende de uma série de fatores e para falhar, há diversas e múltiplas formas, ao menos significa que o conhecimento para buscar ao máximo a felicidade é um conjunto limitado e gerencialmente de práticas que podemos, a nosso tempo, ir desenvolvendo.